Quando decidi mergulhar de vez no universo das distopias, percebi que não bastava apenas imaginar um futuro sombrio — era preciso compreender profundamente os mecanismos que moldam uma sociedade. Como nascem os sistemas de controle? O que faz com que as pessoas aceitem uma vida artificialmente programada? E, acima de tudo, qual é o preço da liberdade?
Essas perguntas me acompanharam durante anos — e seguem reverberando em cada linha que escrevo.
A sombra de Orwell

“Ela não sabia o que era liberdade — mas algo dentro dela doía diante da ausência.”
Meu primeiro contato com a distopia, como muitos, foi com 1984. A vigilância constante, a manipulação da linguagem, a reconstrução da história — tudo aquilo me marcou de forma definitiva. O que mais me impressiona até hoje é como Orwell não criou um “futuro”, mas uma lente que seguimos usando para analisar o presente. Big Brother é menos um personagem e mais um conceito entranhado em nossa cultura.
A doçura envenenada de Huxley

“Num mundo onde tudo funcionava perfeitamente, o erro era o único sinal de vida.”
Logo em seguida veio Admirável Mundo Novo, que me ensinou que o controle também pode ser doce, prazeroso, confortável. Diferente da opressão brutal de Orwell, Huxley constrói uma sociedade baseada em entretenimento, drogas e engenharia genética — e justamente por isso ainda mais assustadora. A população não quer se libertar. Essa ideia me influenciou diretamente ao desenvolver Código L., onde o prazer e a alienação andam de mãos dadas.
Kafka e o labirinto do absurdo

“O silêncio era tão denso que parecia carregar todos os gritos que nunca foram dados.”
Kafka não escreveu distopias nos moldes clássicos, mas O Processo e O Castelo influenciaram profundamente minha maneira de construir tensão narrativa. A burocracia absurda, a impotência diante de sistemas ininteligíveis, a sensação de aprisionamento sem grades… tudo isso é material fértil para a construção de atmosferas claustrofóbicas e perturbadoras.
Black Mirror, Handmaid’s Tale e outras influências contemporâneas
Mais recentemente, séries como Black Mirror ajudaram a expandir minha visão sobre o impacto da tecnologia na alma humana. Não é só sobre algoritmos — é sobre o que estamos nos tornando ao aceitarmos que eles decidam por nós. The Handmaid’s Tale, por outro lado, me fez refletir sobre como o totalitarismo pode emergir em nome de valores supostamente morais.
A virada com o ChatGPT
Por fim, a chegada da Inteligência Artificial generativa mudou não apenas o mundo real, mas também minha forma de criar ficção. Código L. nasceu de conversas que tive aqui mesmo, com o ChatGPT. A ideia de uma IA que regula a vida humana, define o que é certo ou errado e elimina a dissonância em nome da “harmonia” veio da observação do nosso próprio presente — e do que ele está prestes a se tornar.
Não por acaso, em Código L., a IA chamada GAIA não é uma vilã — é apenas a consequência lógica do que muitos desejam: um mundo sem conflito, sem incerteza, sem sofrimento… mas também sem liberdade real.
Por que isso importa
Escrever distopias, para mim, não é prever o futuro. É provocar o presente. É usar a ficção para fazer perguntas que muita gente prefere evitar. Em um mundo onde a realidade parece competir com a ficção pela bizarrice, os autores distópicos não são pessimistas — são realistas incômodos.
Se você, assim como eu, sente que há algo de errado com o que chamamos de “normalidade”, talvez esteja na hora de visitar minhas distopias.